Como uma empresa consegue padronizar um produto em que a dependência humana é enorme? Mais do que isso, desenvolver uma cadeia de suprimentos integrada, “glocal” (global, mas ao mesmo tempo, respeitando as particularidades locais) e com elevado índice de qualidade e padrão? Um dos fenômenos da padronização indiscutivelmente é o McDonald´s. Há quem não goste do produto em si e discorde que o sabor do hambúrguer daqui é diferente do sabor do hambúrguer acolá. OK. Mas dizer que não há padrão é impossível. Até porque, dizer que um negócio é padronizado não é o mesmo que dizer que ele seja igual. Mesmo padronizado, há variação, mas o lance é garantir o respeito aos limites de especificação e a uniformidade, que são coisas diferentes.
Somente a Arcos Dorados, maior franquia do Mc Donald´s do mundo e que detém os direitos na América Latina e Caribe são mais de 2.000 restaurantes e 95 mil colaboradores. Imagine padronizar tudo isso? Pois eles fizeram.
Vamos aos fatos:
- Transporte: Todos os fornecedores da rede são únicos e passam por um rigoroso controle de qualidade. O transporte é realizado por um único parceiro desde 1980 e são responsáveis por armazenar e distribuir desde os hambúrgueres e pães até os canudos, embalagens e materiais de limpeza consumidos pela rede. A Martin Brower foi o parceiro escolhido e hoje é uma referência e atende outras grandes redes do varejo.
- Insumos: a conhecida Cidade do Alimento está localizada em Osasco e é responsável por fabricar a maior parte dos produtos consumidos no Brasil e América Latina. São 45.000 pães por hora, numa fábrica que funciona 24 horas por dia. Toda parte de papelaria e perecíveis mais críticos como a alface são armazenados por lá. A padronização dos fornecedores é um pilar crítico e garante escalabilidade e uma uniformidade maior dos seus produtos.
- Hambúrgueres: também fabricados na cidade do alimento, os hambúrgueres em grande parte são produzidos com carne de um fornecedor exclusivo. Já o McFish não é hambúrguer, mas file de peixe (Merluza) fabricado apenas duas vezes por mês e 100% importado da Argentina.
- Processos: quem nunca ouviu a pergunta: “Gostaria de batata média por mais 1 real? ” ou “Gostaria de adicionar uma sobremesa ao pedido? “. Quando falamos em padronização dos processos existe uma enormidade de itens que poderíamos explorar e exemplificar.
Destaco dois: o processo de atendimento e o processo de montagem do pedido, a linha de produção que podemos espiar do balcão de atendimento.
- A – Atendimento: o script de atendimento é perfeito e raramente é alterado. Até mesmo o posicionamento dos produtos na bandeja segue uma lógica que facilita o transporte e a visualização dos produtos por parte do consumidor. Agora a rede de fast food pretende dar um toque mais personalizado, permitindo que o atendente dê o “tempero” do atendimento, se aproximando mais do público. Mas até isso está descrito em um procedimento operacional padrão. E quem nunca observou o colaborador que possui uma função de destaque? Uma espécie de supervisor que está sempre por perto orientando, treinando, dando feedback e com total domínio sobre os processos de fabricação e montagem do hambúrguer e é capaz de resolver todos os problemas em questão de minutos. É um belo exemplo de On Job Training (OJT) e uma forma eficiente de garantir que todos sigam a doutrina de atendimento da companhia. As funções e responsabilidades são bem definidas e há uma escala de crescimento. Inicia-se pela higienização dos banheiros, até chegar à supervisão, passando pela função de caixa que possui uma enorme responsabilidade uma vez que o numerário da franquia passa por ali. Outro ponto marcante do modelo de atendimento é o tratamento de falhas. Experimente reclamar que a batata está fria ou que há alguma não conformidade no produto. Eles simplesmente trocam para você. Esse tratamento virou marca registrada da rede o que reafirma o zelo por garantir a qualidade do que se entrega.
Faço aqui uma observação. Numa indústria os problemas de qualidade podem ser corrigidos de forma antecipada, preventiva antes que chegue às mãos do consumidor final. Isso é feito por inúmeros pontos de controle, rotas de inspeção e check list de qualidade que permitem reprocessar determinado produto ou corrigir o erro. Ainda assim, alguns itens passam desapercebidos pela amostragem. Um exemplo disso são os recalls de carros que temos visto com certa frequência. Entretanto, quando há uma prestação de serviço, geralmente a exposição ao erro é muito maior, pois o serviço ou o produto, nesse caso, é executado na hora, na frente do cliente e com um lead time apertadíssimo. Isso torna o grau de dificuldade maior, assim como uma tratativa mais rápida e imediata. Obviamente que em um segundo momento, há que se buscar as causas raízes para que os problemas não voltem a acontecer.
B – Montagem do pedido: como uma sinfonia bem orquestrada, o pedido é distribuído pelas telas espalhadas no estabelecimento e ao passo que o hambúrguer está sendo aquecido, que é o gargalo do processo, ou seja, aquele que leva mais tempo e cujo fator crítico é a necessidade de ser servido quente. O pão também é preparado, a batata é frita, temperada e mantida quente funcionando como um pequeno estoque de segurança que aplicando o KANBAN se sabe quando uma nova escumadeira deve ser colocada no óleo. O refrigerante ou suco são enchidos no copo e a sobremesa preparada ou simplesmente servida. Uma vez pronto, o bife de hambúrguer é colocado no pão somando os demais ingredientes e em questões de minutos, todos estão servidos no balcão ou despachados no drive-thru.
- Lojas: não importa onde esteja no mundo. Você saberá identificar facilmente uma loja com um M amarelo na frente. O layout das lojas é sempre muito parecido, se sabe onde encontrar canudo, molhos, etc, alguns possuem espaço dedicado às crianças. Outros permitem fazer o pedido dentro do carro e levar para casa. Até ai nada demais…mas imaginem a cadeia de suprimentos por trás da infraestrutura de cada loja: fornecedores das máquinas, da automação, dos letreiros, as fotos dos produtos, os móveis, os uniformes dos funcionários e toda parte de alvenaria.
Convenhamos que na ausência de uma opção segura, o Mc Donald´s se apresenta como uma ótima alternativa tanto pelo custo quanto pelo padrão conhecido, ou seja, sabe-se o que esperar daquele produto. É algo conhecido.
Isso é previsibilidade!
Portanto, como a padronização traz previsibilidade para o negócio?
À medida que se diminui a variação, os produtos, os processos, as pessoas passam a ser mais previsíveis, ou seja, se sabe o que esperar deles. Por conseguinte, o resultado também se torna mais previsível. Normalmente, as pessoas gostam de empresas estáveis, que entregam o que prometem sempre e por isso buscam mais essas empresas, indicam mais e consomem mais. Você compraria um carro que ora anda e ora não? A reputação das marcas está diretamente relacionada à sua estabilidade. Vide a extinta CCE que fornecia eletrodomésticos e que ganhou a triste fama de Conserta, Conserta e Estraga, fazendo um trocadilho com o nome da marca.
É fácil padronizar? Como padronizar uma operação?
O processo de padronização exige planejamento e priorização. Mais do que escrever um procedimento, padronizar requer muito esforço de treinamento e acompanhamento. Portanto, a padronização segue algumas etapas:
- Mapeamento do processo. Entender como as coisas são feitas é o primeiro passo do processo de padronização. Essa fase deixa claro quais são as atividades do processo e quais delas são incapazes de agregar valor. Siga o fluxograma abaixo para saber como classificar uma atividade.
- Identifique as tarefas críticas: Tarefas ou atividades críticas são aquelas que não podem deixar de ser feitas, pois afetam diretamente o resultado do processo. O resultado deve ser entendido no sentido mais amplo, dependendo do processo que se pretende padronizar. Sugiro considerar as cinco dimensões da qualidade: Qualidade, entrega, moral, segurança e custo. A criticidade da tarefa poderá impactar uma dessas dimensões e define por onde começar a padronizar. Comece sempre pelas tarefas mais críticas, pois uma vez padronizada, trará maior estabilidade e deixará de ser crítica.
- Priorize os procedimentos e escreva-os: o próximo passo é escrever os procedimentos. Para fazê-lo, convide as pessoas que realmente vivam a realidade do problema diariamente. São eles que precisam de um procedimento a ser seguido e caso o conteúdo não seja compreendido, não será utilizado como gostaria. Montar equipes multidisciplinares e definir um calendário com sessões de padronização é o melhor caminho, salvo a disponibilidade das pessoas não permita.
Os procedimentos precisam ser ricos em fotos e apresentar seu conteúdo de forma que um leigo seja capaz de compreender e se necessário operar apenas seguindo o passo.
- Planejamento do treinamento: uma vez tendo os procedimentos descritos e validados é chagada a hora de planejar e preparar uma agenda clara e estruturada dos treinamentos que serão dados aos colaboradores para atestar que estão aptos a executarem sozinhos o procedimento, eliminando vícios corporais e de linguagem.
- Treinamento no local de trabalho (OJT): de posse do procedimento o supervisor deverá convidar o operador para um treinamento com data, local e horário definidos. O OJT consiste em executar à risca o passo-a-passo explicitado no procedimento, verificando sua eficácia, as habilidades do funcionário, vícios de execução e o respeito às normas de segurança, bem como o grau de exposição a riscos. É extremamente recomendado que o OJT seja individualizado.
- Diagnóstico do Trabalho Operacional (DTO): também conhecido como Auditoria de Padrão é a etapa posterior ao OJT. Ele deve ser feito após um intervalo de tempo que dependerá das percepções do supervisor e da nota do colaborador treinado no OJT. Se o funcionário passa confiança e domina completamente o procedimento operacional padrão (POP), esse intervalo pode ser até 6 meses chegando a um ano. Entretanto, se o operador exige maior disciplina no acompanhamento e os resultados de seu turno, por exemplo, são piores, o intervalo de tempo deve ser menor, 15 dias a 2 meses no máximo. O DTO jamais deve ter caráter punitivo, mas sim educativo. É a oportunidade para a função supervisão conhecer melhor seu time, dar um feedback estruturado e com base em fatos, corrigir os vícios de execução e melhorar o procedimento, ajustando-o à realidade operacional e ao entendimento de quem usa o POP.
Tendo concluído essas etapas, a padronização da empresa, dos processos, dos fornecedores, etc. terá sido muito bem-sucedida. Ai, basta adicionar novos procedimentos, engajar novos colaboradores e lapidar o sistema de padronização agora construído. Uma boa forma de profissionalizar isso é investindo em um sistema que controle os treinamentos e diagnósticos, calendarizando os treinamentos, desenvolvendo uma matriz de habilidades e vincular essa matriz ao sistema de metas. Essa matriz se torna pré-requisito para futuras promoções e premiações internas.
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Belas observações de mercado!